domingo, 22 de março de 2015

"Crônica Calhau"



ELE acordou cedo e lembrou que deveria ir à casa lotérica conferir as apostas. Reuniu os diversos volantes e ligou a TV para verificar se havia faturado a Quina acumulada. Conferiu todos eles: não acertara um único número. Só depois disso é que vestiu a camisa da Fiel e foi tirar sua dúvida quanto às outras apostas.
O coração mais parecia querer fugir-lhe ao peito impaciente. Suava frio e o desodorante "vencido" não lhe era vergonha - sequer se importava com isso. Só conseguia pensar na possibilidade de ficar rico do dia para a noite. Chegando à lotérica, conferiu pacientemente os volantes das outras apostas: Sena, Loto, Loteria Esportiva. Mas todos haviam dado zebra: nenhum resultado premiado. 
DECIDIDO, resolveu conferir o sorteio do carro, da moto, do liquidificador, do Romanon, do vídeo cassete 7 cabeças, da televisão, todos correndo em rifas que havia comprado nas últimas semanas: não conseguira faturar nada. Chegou perto de ganhar um ferro elétrico, porém isso ele já tinha - de tão viciado e até mesmo acostumado, comprava rifas muitas vezes por hábito, mesmo possuindo em casa o prêmio oferecido. 
JORNALEIRO: era a vez das raspadinhas. Gastou quase todo o dinheiro que tinha para comprar algumas dezenas de cartelas. Raspou todas elas, mas passou longe de todos os prêmios. Comprou Papa Tudo, comprou Tele Sena e como estava no correio, aproveitou para despachar os rótulos dos produtos adquiridos para participar de sorteios anunciados pelos programas de televisão. Feito isso, marcou as cartelas de Papa Tudo e Tele Sena e foi para casa. 
PELO caminho, lembrou-se de fazer aquela “fezinha” no bicheiro amigo. Apostou para as 14 horas, para as 18 horas, jogando no grupo, no duque-combinado - e não esqueceu de pedir os resultados do dia anterior. Quando chegou em casa, os conferiu: não havia ganhado em nenhum dos horários, passou longe nos sorteios televisivos, enquanto os rótulos dos produtos já tinham, cada qual o seu ganhador – gente de longe que ele nem sabia se existia mesmo.
DESILUDIDO, achou que não tinha sorte e meteu a mão na carteira para ver se sobrara alguma coisa e, dessa forma, tentar a sorte numa última “fezinha”: dava para jogar na "Corujinha". Foi o que fez, ficando num bar até às dez da noite para conferir os números. Coração na mão, suor gelado, tensão e emoção. Por fim, o resultado: ganhara no Jogo Do Bicho. Após um dia equivocado, somente à noite conseguira se dar bem! E foi mais que depressa ao ponto do amigo pegar seus trocados. 
DINHEIRO no bolso, era hora de refletir melhor sobre como gastá-lo de forma proveitosa. Ficou até tarde deitado em sua cama tentando imaginar como torraria aquela importância. Porém, feito um estalo, um insight, teve o que julgou ser a melhor ideia - não iria num banco, nem compraria ouro e outros valores: iria gastar seu prêmio apostando novamente na Quina que, mais uma vez, havia acumulado...

Jornal O Gazetão, 22 de junho de 1995
Coluna Sociedade Crônica

2 comentários:

Maurélio disse...

Um jogador compulsivo.
Parabéns pela crônica amigo.

Sérgio Cortêz disse...

Muito obrigado, Maurélio. Seja sempre bem vindo ao Beco da Poesia. Saudações poéticas.