domingo, 22 de março de 2015

"Pensão Sem Gosto"



     Recentemente tive a oportunidade de conhecer um dos mais simpáticos estabelecimentos comerciais de alimentação e nutrição coletivas em troca de dinheiro, os quais denominamos sumariamente como "pensão". Para evitar problemas de caráter judicial, resolvemos criar um nome fictício para o referido estabelecimento, de modo a nos proporcionar mais liberdade ao descrever, com detalhes e requintes de crueldade, o atendimento do lugar: Pensão Sem Gosto.
     Passeando tranquilamente enquanto me esquivava de punguistas e trombadinhas no centro de Duque de Caxias, fui acometido por um estrondo ensurdecedor: era meu estômago. Vi-me obrigado a consultar os preços escabrosos dos restaurantes locais, tão escabrosos quanto alguns poemas que, vez por outra, faço.
     Deparei-me com um letreiro: “Pensão Sem Gosto, comida fresca feita ontem mesmo”. Ponderei a princípio, mas um segundo estrondo lançou-me às escadas que, feito tentáculos, conduziam ao local. Logo na porta havia um monte de inhaca, que deveria servir de playground para ácaros: era um mau presságio que me assustava. Mas virei as costas e ergui a cabeça, batendo com a testa no baixíssimo vão de entrada. No interior da pensão, onde o teto era o limite, pude finalmente ficar de pé. Mas decidi sentar numa cadeira de pista, só para despistar, e chamar pelo garçom.
     Ao meu sinal, o pensionista (garçom de pensão) veio atender-me. Era um velho idoso de idade avançada, fumante catarrento e aparentemente tísico, com baba escorrendo pelo canto da boca e pernas abertas como se ele fosse rasgar-se ao meio. O sujeito assuou o nariz com os dedos e perguntou o que eu queria. Como sair dali não era uma opção naquele momento, pedi o prato do dia, mais costela de porco e macarrão. Ele virou-se e deu um berro para as cozinheiras suarentas e cheias de marcas de furúnculos, gesto que fez voar gotículas de cuspe sobre os pratos dos fregueses. Nessa hora, passava na televisão valvulada o programa "Bobo Esporte": quando a comida chegou, terminava o "Vale a Pena Verde Velho". Limpei os garfos com álcool e comecei a atender os pedidos desleixados do meu estômago, o único inocente na história.
     O macarrão tinha mais colorau do que macarrão; o arroz, repleto de “marinheiros”; o feijão tinha um pouco de tudo, menos feijão. Removi os excessos e comecei a coletar todas as lesmas que passeavam na salada. Almocei. Terminada a refeição, conversei por cerca de meia hora com o pensionista - eu não entendia o que ele estava dizendo e mesmo assim conversamos durante aquele tempo, enquanto pensava num jeito de sair vivo da Pensão Sem Gosto.
     Recomendo o lugar para dois tipos de pessoa: para aquelas que desconhecem etiqueta e para professores duros que, devido ao descaso das autoridades, veem-se obrigados a passar por situações constrangedoras e mal educadas como esta.  





Publicado no jornal O Gazetão, 1995
Coluna Sociedade Crônica

2 comentários:

Maurélio disse...

Nauseante esta pensão. Conto interessante, abraços amigo

Sérgio Cortêz disse...

Verdade, poeta Maurélio Machado. O pior é que o texto é baseado em fatos reais - com um certo exagero, admito. Um abraço, amigo.