terça-feira, 18 de junho de 2019

Antípoda Poética


É bem minha a palavra que não uso
no poema que não faço
e declamo estando mudo.
Faço meus mil sonetos que abjuro,
redondilhas que só existem
no meu verso curvo e em riste.
Tola árvore de frutos vis e estéreis
que ao sabor das intempéries
destemperam a inspiração.
É assim, feito obra sem autor,
feito fruto sem sabor
que se desmonta a emoção.
E numa afronta à razão,
a métrica infame não dá conta
da comoção em que padeço.
Por fim, a obra está pronta:
do meio ao fim, sem começo,
decantando o poeta ao avesso. 

Mineral


Da argila em que trabalho
pra compor as tuas formas,
faço a obra-prima minha,
pele nua em meu lavor
esculpida em puro amor.

Da rocha crua em que busco
diamantes de bom veio,
faço entalhes que te adornam
e reluzem, de soslaio,
os brilhantes olhos teus.

Do acabamento, enfim,
pra polir cada detalhe,
tiro arestas – nada resta,
que não a simples perfeição
do teu corpo em minhas mãos. 

Gambiarra


Beija minha boca de puro formicida,
que não mata, mas devora
as palavras de ontem e de agora.
Idioma que se desarvora pelo mundo afora
e se faz entender pela força do tempo.

Leva minh’alma ao sabor do vento,
indivíduo colonizado, institucionalizado,
espavorido com a farta miséria
que não acaba nunca.
Junto à nuca, uma cabeça oca
com ideias loucas e, que ninguém nos ouça,
uma boca imunda.

Sorvo a essência venenosa
daquilo que nunca quis ser,
mas que sou assim mesmo
por teimosia, cabeça dura e impura.
Tenho a alma infernizada calmamente
pela notória discrepância
entre a boca e a mente:
gambiarra gramatical que me neologisma. 

Mil Flores



Neste mel que é tua boca,
busco o gosto do teu beijo
e o aroma de mil flores.

És a abelha rainha de meu tempo,
soberana entre os favos dos meus dias,
suplicante pelo mel de nossas noites. 

Especulação Imobiliária



Sabe aquela casa de estilo antigo
onde vivia a Jura
mais os seus dois filhos?
Foi demolida e virou loja.
E aquele campinho de jogar “Queimado”
e uma conversa fora, todo dia e hora?
Foi todo murado pra virar loja.

E a casa da Patrícia que, de tão bonita,
fazia a molecada suspirar, aflita?
Perdeu a beleza, pois virou loja.
E a escolinha da “tia” Esmaélia,
a padaria Charme e o bar da Noélia?
Viraram galeria que é cheia de lojas.

O progresso impõe seu preço,
desonesto nesta altercação.
Desconstrói o tempo demolindo a gente,
vai virando loja, lorpa solidão.
Mas nenhuma loja traz em sua vitrine
as boas lembranças do meu coração. 

Panorama Do Trânsito


Isso é quase todo dia:
agonia, agonia, agonia.
Vrumm, acelera, vrumm, fica,
primeira, segunda - paralisia.
Espera, câmbio, espera,
tic-tac, tic-tac: o som do tempo perdido,
mais nenhuma outra harmonia.
_O engarrafamento é a odisseia
do tédio e da nostalgia.

Isso é quase todo dia:
letargia, enfado, letargia.
Bip-bip, buzina, braaaamm,
espera, impaciência, espera.
Baque surdo, bruumm e o para-choque trincado.
Susto em meio à bulha,
impropérios, resignação.
_O congestionamento é a onomatopeia
do desespero e da solidão.   

Identidade


Tens no olhar um sorriso
que me consome na dúvida
de adivinhar o teu peito:
melhor lugar deste mundo

Tens no sorriso o teu nome
e me consome em teu peito,
melhor lugar pra essa dúvida
de adivinhar este mundo.

Se me consomes com riso,
trazes no rosto uma dúvida,
melhor lugar pros meus olhos
que, num olhar, te adivinham.

És o albor que traz vida,
tão sem querer se faz sonho
que, quando surge, estremeço,
que, quando vai, me apaixono. 

Mercado De Pulgas


Vultos de páginas amareladas
sacrificam o tempo presente.
A melancolia bate à porta,
porém não atendo – é oferta passada.

Mastigo bom fel e negocio
valores defasados com almas penadas:
reminiscências de preço irrisório
nos piores pontos de camelôs.

Enchi meu coração com as sobras
dos dias que se vão, bem lentos.
Barganho com o futuro, mas não tenho importância:
a fragilidade tem um preço acachapante. 

Breve Metáfora



Não há tempo que desfolhe
as memórias que me lembram
do que o tempo fez viagem,
com formato e embalagem
de uma lata com amêndoas.

Não há tempo que desfaça
tanto que veio e não veio,
ao acaso e no ocaso,
por destino ou por desfrute
no arruído de lembranças.

Não há tempo que descuide
das minutas que em minutos
guardam fatos, fotos, atos,
emoções vividas, boas,
com formato de pra sempre... 

Sincronizados


Luz dessa minha vida
que reluz sobre tudo o que sou:
traga-me um cálice completo
do vinho mais nobre com o gosto da tua boca.

Entrementes, desfaça as farpas do meu dia,
barroca tecnologia de querer-me o teu bem.
Foi tua luz que me guiou entre charcos e tremedais
pra encontrar assim as plagas serenas do teu abraço.

Luz que abrilhanta esta existência,
que me faz tão rico de modestos detalhes:
perfeita sincronia entre os sons dos teus gemidos
e a tua voz a dizer que me ama. 

domingo, 16 de junho de 2019

Madrigais


Não há males, nem há medos,
tampouco desassossego.
O que nos acerta é o erro
de conferir lógica à mágica
quando nos temos, amantes,
mas sem a intenção de se amar.

De certo, somos de pele,
de química, tesa alquimia.
Completamos a existência vazia
com anseios da paixão faminta
que durante a madrugada infinda
se alimenta de nossos lençóis.

Não há males, nem há medos,
tampouco vicissitudes.
Sem demora, as horas passam,
cantam haustos de um prazer que nos devora
antes que a madrugada termine
e o amanhecer nos desnude. 

Pães e Peixes



Multiplique o teu amor qual pão e peixe.
Multiplique e o reparta comigo, apenas comigo,
que, entre o dito e o não dito,
o farei gênero de imensa necessidade.

Adormece esta minha meia-idade
e faz destes bons anos
tempos de amor e multiplicidade.
Multiplique de boa vontade,
multiplique, apenas multiplique.

O pão e o peixe de nossas vidas
divididos de maneira desmedida,
alimenta cada um dos nossos dias
fartos de amor e outras sentimentalidades,
nossas noites bem servidas de harmonia
e nossa cama com voraz cumplicidade. 

Butete



Envenena-me
para que eu desfaleça
em teus braços.
Ocupando os espaços do teu corpo,
quase morto,
suicidando-me no teu prazer
pra renascer em teus encantos,
tanto quanto me decantem
no mais aprazível fenecer...

Envenena-me
para que eu sobreviva
em teu peito,
sorvendo teu deleite, teu azeite,
teu butete,
prato preferido que me fere
e que interfere feito vício que faz bem:
solstício que ilumina o meu querer,
condimento a este aprazível padecer... 

Aquela Boca


Boca carnuda,
boca que desemboca
na minha boca,
louca, devoradora, inefável,
suculenta carne de púrpura polpa.

Boca bonita
que enforca, me foca, me excita,
aflita, se incita,
arguta e arisca,
explícita tara de uma boca faminta.

Boca que almejo
na minha boca,
língua e saliva,
estrelas cadentes
pelos céus de nossas bocas
reluzindo muito mais
o nosso beijo gutural... 

O Futuro


...e que os dias se levantem,
que despertem ao nosso lado,
tão agrestes quanto os olhos
meio inchados – mal se aguentam.
Mais um dia que começa
dentre tantos, tantos outros...

...e que os dias não escondam
a sabedoria plena
que o futuro nos reserva.
Que estudo seja básico
e o aprendizado exato
com opiniões bem próprias,
firmes, plenas de mudanças,
pr’este mundo complicado
e tão simples de entender.

E aprender sobre este mundo
e outros mundos, onde estejam,
é mudar o nosso mundo
e expandir nosso universo
para o qual não há limites
se há vontade de aprender.

...e que os dias a viver
quantos forem necessários,
façam do futuro incerto
a certeza que o saber
não se constitui de notas,
mas do amor com o qual se aprende.

As Cores Do Mundo


Não há que se temer o coração,
fonte de uma emoção conspícua
e de um licor que deifica toda imagem,
dando cores a um tempo que nos brinda
e clorofila a vastidão de outras paragens.

O bom de amar
é ficar bobo e aparvalhado,
é deslumbrar-se com as cores do mundo,
deixando para trás um sentimento preto e branco
para viver todos os dias com frescores de outono,
tons mais nobres e harmônicos
da mais requintada beleza.

Não há que se temer o amor então,
que, assim, pincela um mundo outrora preto e branco
e, feito brisa, dá meneio aos nossos dias,
calor e luz, sustento e repouso:
obra-prima dessa nossa fotossíntese... 

Melancolia


Alto lá: não te esqueci,
fosse nos rincões de minhas lembranças,
fosse nas andanças por ai:
estavas comigo e teus olhos me brindavam,
nobre musa de meus versos silentes.

À sombra de flamboyants
eu desço de meu pedestal
e me esfacelo em arenito.
Viro pó, depois viro cipó,
reconstruo minha essência humana
ao relembrar trezentos pecados.

Alto lá: não te esqueci.
Desviei meu olhar trocentas vezes
e, boquiaberto, despertei-me desta fábula,
sem mácula, sem ranço,
sem nenhum descanso,
transformando tua lembrança
em uma presença imaculada
e a solidão n’alguma coisa
que ainda te sugere... 

Algo a Ver Com o Teu Beijo



Ninhos de estrelas
reluzem no firmamento.
E todo o fel que já provei
sumiu no céu da tua boca,
feita perfeitamente
com doces favos de mel.

Flutuo ao sabor da tua boca
flanando por campos ensolarados
onde a paz se apropria de minh’alma
e os teus encantos, do meu coração.

Não há caminhos que me deslevem do teu beijo:
saliva que me consome,
beleza leve que me possui.
Não existe tanto faz:
teu beijo é o que me sustenta,
alimenta um sem número de sonhos,
realiza um sem número de inventos... 

Sonho Proibido


Era ela em sonho,
em sopro e em sorriso.
Era o meu passado que me beijava,
me desejava e despudorava.

Era ela real
nas veredas profundas do meu subconsciente,
tão real na minha mente, na minha boca, subitamente,
maviosa, atrevida e indecente.

Era ela que me amava agora, como outrora:
a pele morena, as negras melenas
e um olhar que me abraçava, ternamente, eternamente,
enquanto a luz de um novo dia cruelmente me acordava...

Sucataria



Só caibo em teu peito
como um ocaso de tua lembrança,
feito fístula que não tem cura,
fiel fartura de menor pujança.

Foi para ti que guardei abrigo e teto,
comida feita na lenha,
água de boa moringa.
E mais ainda:
te acarinhei com o melhor tecido,
delicada e refinada cambraia angelical.

Mas padeci nos teus sortilégios
que relegaste como prêmio
a quem te fez um relicário
tão bem guardado em privilégios,
mas sucateado em seu final. 

Poesia Biônica


E então eu te fiz bom tempo,
tornei a ti a melhor parte do meu dia
Canto o encanto do teu ser
na minha estúpida poesia,
literatura tola que se perde ao sabor do vento
diante do que tens de mais belo
para me dizer.

Tornei-me plateia atônita
do impecável espetáculo que és.
E, de viés, fui contemplar-te na coxia,
qual navegante a flutuar pelo convés
embriagado pelo encanto das estrelas
refletidas no intervalo entre as marés.

Hei de cantar-te com versos melhores,
compondo-te em prosas rimadas.
E dar-te-ei as melhores estrofes
de poemas marotos e apaixonados
declamados em razão da tua beleza,
com ternura, pureza e desejos mundanos:
coisas de um sentimento metafísico
inspirando nossos sonhos mais humanos... 

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Chuva Colorida


Achava que ia chover
- e choveu, torrencialmente.
Trazia o coração em curto
que não curtia uma aventura,
tampouco alimentava uma emoção.

Envelhecido por tanta amargura,
meu coração marcava um compasso:
porém, era um dissonante traço desarmônico
com uma clave de sol atormentada
por uma tormenta de verão.

Chegaste, então,
sob tão intensa chuva
de coloridas gotas:
sob o náilon do meu guarda-chuva,
preservei a tua beleza
e te servi do meu amor... 

O Primeiro Medo


O que temo
não é o fim inevitável,
o momento derradeiro
em que a morte nos abraça.
O que temo não se envolve pelo mogno,
não flameja ao firmamento,
nem se acalma com uma prece.

O que temo
é o espavorido instante
no despertar da consciência,
caso não encontre o troco
que corrobore o pagamento
por desperdiçar a existência
ao não saber viver a vida.