quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

"Poeta Verossímil"




Num lugar algum, o vazio ocupa
um espaço inexistente.
E o marasmo onipresente
contrasta com a beleza que vacila,
caminhando em passos trôpegos e fatais
onde o nunca sempre existiu jamais.

Num limitado infinito
pulsando, aflito, o tempo se esvai.
E o vácuo rebelde
desloca-se na brisa contida
pelo orvalho que não cai – e mais:
cala-se menos e sem orgulho
por nada, por tudo.

Num lugar algum, o vazio é ocupado
por meu coração.
Sem a paixão exacerbada
nem a mesma alma magoada,
vou-me contido em versos mudos e iguais:
onde o nunca sempre existiu jamais...




Do livro “57 Poemas Brasileiros”, 1997.

"D'a gente"



O dia nasce feliz ou nasce triste
dependendo da poesia.
Na lógica da vida, percebo que a mudança
vem como uma rasteira, nos fazendo rastejar.

Se sobrou em nossas vidas
os restos de tantas feridas,
de saída nos lembramos
que somente um passo forte
pode evitar a rasteira.

Pode ser besteira ou não,
mas me traz esta beleza
que encanta minhas vistas
e adoça minha boca
com um beijo de avelã.

O dia nasce feliz
pra fazer d’a gente um riso
e d’a gente fazer parte
tanto em Marte quanto aqui.
Pois o dia e a eternidade
se misturam em nossas vidas
e se encontram em cada beijo
nesse amor que é só d’a gente
dependendo da poesia...




Do livro “57 Poemas Brasileiros”, 1997.

"Pan Am"



A nossa música não toca,
nem evoca sabores que curtimos
no passado, farpado,
por redes e intrigas fermentadas a pranto e saudade
que nunca sentimos.

A nossa música não soa
ou ecoa pelas ondas invisíveis
que circulam pelo ar.
Mal de amar e de doar o coração onipotente:
presente, só a solidão muda a nos acompanhar.

A nossa música perdeu o ritmo.
Ficou velha e toca apenas nos programas nostálgicos
ou nos palcos de serestas vazias,
nas noites frias, nos olhos úmidos,
nos remorsos: sereno ar
a pousar sobre a terra viciada em vida
- despedida com vontade de chegar...

Voo alto em partituras dissonantes
que, antes, davam tons a nossas vidas:
saborosa sensação de não te ter...



Do livro “57 Poemas Brasileiros”, 1997.

"Veneno Nos Olhos"



Só posso evitar, a muito custo
O doce querer que me amotina.
No meu coração, o pranto é justo
Encanta e balança em pura sina.

Só posso pensar, feito num susto
O quanto a semente, em mim, germina
Quando me compele a olhar teu busto
E faz do meu peito estricnina.

Assanha ilusões, agora susto
Com meu padecer, outrora injusto
Se mata, parece que ensina.

Detenho o poder, enfim, me assusto
Provém do querer com o qual ajusto
O meu coração que te elimina...



Do livro “57 Poemas Brasileiros”, 1997.

"Outro Tema Secreto"



Perdemos a vitória.
Cedemos aos achaques 
e aos ataques mais sutis,
proferidos pelas bocas
que, há tempos, já não beijam.
Cometemos o engano
de ouvir palavras tortas
ditas por tais bocas mortas,
tão hipócritas, morais...

Nossos corpos, como almejam
o sabor do santo orgasmo
que ainda não tivemos!
Vamos nós neste marasmo 
que na vida assim se fez
se desfez um querer puro,
infantil de tão maduro,
mais pra prosa que poesia.

Perdemos a vitória
sem provar do seu sabor.
Vamos juntos dar a forra 
nestes falsos puritanos
praguejando: que se danem!
Pois é nesse amor infame
que faremos nossas vidas
mais poesia do que prosa...


Do livro “57 Poemas Brasileiros”, 1997.

"Da Poesia, Da Flor e Do Pólen..."




Se acaso soubesses o quanto nas preces
eu peço por ti,
irias partir de encontro a meus braços
e em gracejos e amassos me desarmarias...

Se acaso me desses o doce replay
de ter-te comigo,
serias abrigo ao peito que inflama
na incontida chama de ser bem mais teu...

És tema secreto em toda a poesia
que faço com afeto e só para ti.
És tema concreto nas noites que sonho
nas rimas que faço quando te componho...

Se acaso pudesses supor quanto quero
ser teu no teu peito,
qual flor te abririas e me abrigarias
tendo-me em teu pólen com qual me amarias... 




Do livro “57 Poemas Brasileiros”, 1997.

"O Conto Da Terra"



Terra e vento que me tocam
na alquimia natural...
Gozo fundamental, alegria de estar vivo,
solidão nos lábios meus...

Pedra filosofal apedrejando a sabedoria
concedendo uma euforia
que absorvo em campo vasto.
Não me basto de mim mesmo
e curto a esmo este contato
e essa troca de energias com a terra, vento, água,
tempestade a findar mágoas
que não estão neste poema.

Meus lábios solitários
tocam o beijo da Mãe-Terra
e navegam por seus seios...
Terra, vento, água, vida,
curando certas feridas
que não estão neste poema
e que outro dia eu conto...




Do livro “57 Poemas Brasileiros”, 1997.

Biografia de Sérgio Cortez

VIDA
Sérgio Cortez nasceu no Rio de Janeiro, em 03 de março de 1972. Filho de um comerciário e de uma professora, após o término do Ensino Médio, ingressou na universidade onde se formou em Geografia, pós-graduando-se dois anos depois. Apesar de sua formação acadêmica, Sérgio Cortez demonstrou desde cedo sua vocação para as letras e para a música. Já compôs em variados estilos para diferentes artistas iniciantes e teve muitas de suas canções interpretadas por bandas como Neurose Social, Poetas Suburbanos, Estratagema e, mais recentemente, pelo Grupo de MPB Carcará.
A insatisfação do homem diante das próprias conquistas, a falta de perspectivas em relação às vicissitudes da vida e os paradoxos sentimentais presentes no cotidiano das relações humanas são temas marcantes na obra de Sérgio Cortez.
ESTILO
O mais intrigante na obra de Sérgio Cortez é o fato de que o autor não possui um estilo que prevaleça sobre os demais. Seus romances apresentam tramas variadas, cujos textos e ideias não se repetem – o que faz uma história não se parecer com a outra. Nos contos, o autor constrói estruturas literárias que caminham por sentimentalidades intrínsecas e extrínsecas que, em geral, o ser humano esforça-se em esconder. Já na poesia, seu estilo é marcado pelo questionamento dos dogmas literários, pela valorização de objetos e utensílios do cotidiano e pela análise das conturbadas relações humanas - que também são objeto de atenção do autor em seus romances e crônicas.




OBRAS
Bastante variada, a obra de Sérgio Cortez trilha por vertentes que vão das músicas e poesias criadas a partir dos anos 1980 até as inúmeras crônicas publicadas em diferentes jornais ao longo dos anos 1990.
Em coautoria com o poeta Demétrio Sena lançou, em 1994, o enigmático “Ovo à Milanesa”, reunindo alguns de seus melhores poemas do período. Em 1995 publicou o romance “Perfil Interior”, divulgado na VII Bienal do Livro no Rio de Janeiro. Já no ano de 1997, publicou “57 Poemas Brasileiros” - apenas com suas próprias poesias - obtendo ainda o 3º lugar Concurso Literário do Servidor Público do Rio de Janeiro com o conto “Sangue das Almas”.
Entre 1999 e 2012, Sérgio Cortez labutou em poemas, canções, romances e contos, introduzindo gradativamente uma parcela de tais trabalhos no universo virtual. Durante quase três anos foi responsável pelo blog Ou Será Que Não? e disponibilizou na web uma parte significativa de seus poemas através do Beco da Poesia.

Em 2012, depois de 5 anos de trabalho, finalizou e publicou no Clube De Autores o romance "Rosa Colete À Prova De Balas". Já no início de 2013 Sérgio Cortez lança a coletânea “Beco da Poesia”, também pelo site Clube de Autores.
Trabalha atualmente numa compilação de contos e lançou seu novo livro de poesias, "Manual da Poesia Fajuta" (2015) somente com inéditas e de acesso gratuito no Wattpad. 
Paralelo à carreira literária, Sérgio Cortêz fundou, em 24 de novembro de 2017, a Rádio Vintage - web rádio na qual o autor expõe sua vocação para a comunicação, através de uma variada grade de programação que busca atender aos mais diferentes gostos musicais.