sexta-feira, 14 de junho de 2019

Sinuosidades



E é assim, por estas curvas que não vou,
não porque não queiras,
mas porque não supões estes meus desejos,
que cobiço o luxuriante agridoce do teu beijo,
desinfetando meus pecados mais leprosos,
fomentando realidades em minha imaginação.

E é assim, pelas estradas que não vou,
não porque não me guias,
mas por impor reproches aos teus intentos,
que reinvento vis maneiras de te amar
regozijando em cada curva do teu corpo,
a mais bela paisagem de minha imaginação.

Entrementes, acasalar neste caso,
vai muito além do conceito didático
de uma simples reprodução. 

Sobre Pedras Portuguesas


Hei de flanar com liberdade
entre angras e orlas,
pés entre mornas marolas pelo dia inteiro.
Estarei pachorrento, quiçá cabreiro,
morcegando entre noites errantes
e madrugadas erráticas.

Fugirei das intensas borrascas
e de todo aparvalhado peralvilho.
Serei criatura ilimitada e zafimeira,
apreciando a benfazeja solidão dos esquecidos.

Terei o Sol da Caparica como abrigo
com suas ondas se espraiando, cristalinas,
sobre areias apaziguadoras que me descalçarão os pés.
Então minhas pegadas, já tão fatigadas,
repousarão sobre a seda dos meus sonhos
para que eu possa mergulhar, profundamente,
na paz melindrosa dos meus dias enfadonhos. 

Fúria Pacífica


O segredo dessa paz
que não me acalma,
passa longe do que apraz descortinar.
Sei que esvai-se pelo ar,
feito fumaça,
e que fenece até, por fim, se dissipar.

Sei da fúria que me toma
e que me drena,
força bruta que destroça
e ainda faz troça
da imutável alma turva que lamenta
esta patética paz escatológica. 

A Materialidade Do Amor


Gosto de você porque gosto,
o que dispensa razão e explicação.
Se motivo houvesse para encontrar motivo,
não seria gostar: seria ciência.

Gosto de si e não compreendo
a origem exata deste sentimento.
Se soubesse a origem, melhor entenderia,
mas desejo não seria, e sim filosofia.

Gostar é querer muito além do tempo,
é se comprometer, e não “ter envolvimento”,
estar perto à despeito de qualquer distância,
com o devido respeito, provimento e substância. 

Pombo Eu


Ave suja,
criatura desprezível,
desprovida de escrúpulos, risível.
Desconhece o que é viver honestamente,
comumente, enfada-se de impurezas,
como mente, exila-se em si mesma.

Ave vaidosa, ser apenado,
condenado a existir, desesperado:
apedrejado vetor de moléstias.
O que te resta é um bom punhado de migalhas
e a rapinagem metafísica
dos passos nas calçadas.

O seu voo passa longe,
bem acima dos meus sonhos:
dimensão que vai além do tempo,
liberdade de bater em retirada
frente aos desalentos
e ainda provar o sabor do vento...

A Cidade Dos Sonhos


E é para lá que me vou,
voo sem escalas,
fomentando o intento de ficar...

De coxilo na marquesa,
reencontro a cidade dos meus sonhos:
não se constrói sobre ladeiras íngremes,
não enfeita esquinas
para esconder melindres,
não se lança a meios-fios
em que tropeçam os pés.

A cidade dos meus sonhos
só me surge de viés,
sem aviso nem arcanjos,
sem arranjos que a refinem,
mas de cores e recantos
em toda a esquina, a cada canto.

E é por lá que caminho,
entre jardins e roseiras
que não se adornam de espinhos.
Passos ávidos por tempo,
bom repouso e letargia,
para flanar nesta cidade
sem que o descanso me canse
e a realidade me mate.

O Caminho Do Herói


Não temas: tudo correrá bem.
A relva suave e aquecida pela luz
sobre a qual despertarás,
há de trazer o merecido reconforto
aos muitos anos de luta e labuta.

Não sofras: estaremos por aqui.
Desafios nos esperam, mas não os tememos:
são males terrenos efêmeros e anódinos.
Maior é a existência, missão a nós imposta,
porque a vida continua, radiante e sempre.

Não chores: bons amigos o aguardam.
Encanta-te com tudo e tanto disso:
um novo tempo te reserva a juventude,
sem máculas rancorosas, sem mágoas, nem pressa,
pois a vida é valiosa, é muito bela e boa à beça! 

Pétalas Do Tempo


Pétalas côncavas e amarelas
carpeteiam sob o toque dos meus pés.
Faço deste um bom caminho
onde as sombras me refrescam
e as marés não me marejam.

Folhas secas despedaçam-se entre vagens
e flutuam leves, breves,
pantomima em que se regalam,
simbiose em sincronismo
no caminho que percorre até o chão.

Só então dou-me por conta
que o espaço entre meus passos
e o vento em movimento,
somatizam um só caminho
onde o tempo não se passa.