domingo, 22 de março de 2015
"Do Amor e Outras Mazelas..."
O Namoro:
Ele beijou sua boca e sussurrou em seu ouvido. Ela suspirou um gemido e tocou as mechas suaves de seu cabelo que contornavam seu cenho em paisagem natural. Ele quase fez um apelo ao sentir seu peito arfante pulsar forte no coração dela, esfregando seus lábios em sua face meiga, quase um canto angelical. Ela o apertou contra si e deduziu, por fim, que encontrara o homem que sempre desejou. Ele pensava o mesmo a respeito dela.
O Noivado:
Ele beijou sua boca e disse, logo em seguida, que o crediário já estava pago. Ela ficou feliz e falou que sua mãe havia comprado o fogão como presente. Ele torceu o nariz, mas ficou aliviado por uma despesa a menos. Ela falou do pedreiro, que cobrava caro mais fazia direito. Ele falou da geladeira e puxou um cartão que a surpreendeu. No mesmo estava escrito: “muito procurei, mas te achei. Estás junto a mim. Com amor...” Ela percebeu o erro de Português, mas até fingiu que não havia nada. Deduziu que encontrara o homem certo. Ele pensava o mesmo a respeito dela.
O Casamento
Ele a beijou mais uma vez quando o padre assim outorgou. Na saída, ela escorregou nos grãos de arroz que jogavam sobre o casal. Quase caiu, mas ele a conteve com seu punho forte. Ela se achou com sorte por tê-lo encontrado antes de tantas. Ele pensava o mesmo a respeito dela.
O Primeiro Filho:
Ele olhou para o berço e achou que a criança tinha a cara dela. Ela pensava o mesmo e, muito vaidosa, dizia “é meu filho”. Ele sorria sem jeito diante da sogra a cochichar com ela. Ela sentia-se feliz por ter tido um filho com o homem que sonhara. Ele pensava o mesmo a respeito dela.
Dez Anos Depois:
Ele já não aguentava tantos queixumes por parte dela. Ela já não suportava o relaxamento e desleixo dele. De dia só monotonia e a cama mais fria por cada uma noite. Ela achava que o amor havia findado. Ele pensava o mesmo a respeito dela e não tirava da cabeça uma traição que ela não sabia.
Do Divórcio:
De frente para o juiz ele falava coisas que, na opinião dela, não tinham sentido. Ele a chamava de meretriz e ela o acusava de uma violência que não existia. E parecia não existir filho, nem mesmo cartão ou beijos suaves em noites ardentes. Só havia farpas, cifras, erros, custódia... Não trocavam olhares, não havia esposa nem havia marido. Eram quase inimigos, almejando distância na separação. Ela tinha certeza de que cometera um erro no primeiro dia em que o conhecera. Ele pensava o mesmo a respeito dela...
...e o filho dos dois está sendo criado pela mãe dela.
Publicado no jornal O Gazetão, 1996
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