Ele acordou, olhou para a janela e
não quis se levantar. O galo mal havia dado o toque de alvorada e ele pensou em
mais um dia de trabalho, no qual teria o prazer de ver nascer o sol, apertado
dentro de um coletivo lotado. Calçou o chinelo, escovou os dentes, tomou café
com pão, deu um beijo na mulher gorducha, acendeu um cigarro e se foi.
Dentro do ônibus pagou a passagem, pegou o troco e chegou-se aos amigos.
A mesma conversa, os mesmos comentários e um cara esquisito que ele achou
otário por dar o lugar a uma mulher suspeita, pois dizia estar passando mal - e
que, por “milagre”, sentia-se bem dez minutos depois.
Chegou ao trabalho: o relógio de ponto, o banheiro imundo, as mesmas
máquinas barulhentas e rabugentas. As mesmas atividades que sempre fazia
mecanicamente, sem ter que usar a mente para coisas complicadas – exceto pensar
nos filhos, razão pela qual se encontrava ali, trabalhando como louco.
Na volta para casa, os mesmo caminhos, a mesma estrada, o ônibus lotado,
o "CC" do sujeito de pé ao seu lado, a mulata de fogo em pé à sua frente (nas curvas, a glória do trabalhador!). E ele pensava em adultério, mas mudava de
ideia ao lembrar-se dos filhos e dos dengos da esposa gordinha e cheirosa,
preparando a janta para ele comer com os mesmos movimentos.
Passou na birosca, tomou um bom gole, brincou com a "piranha" atrás de
seus homens, depois foi para casa sentindo uma angústia que não compreendia.
Talvez a labuta o estivesse matando, talvez fossem os anos que iam passando e
ele não via. Era só uma agonia, não deu importância por que era homem e nada
temia.
Chegou em casa, abraçou os filhos, beijou a mulher, banhou-se e jantou.
Os mesmos movimentos que fazia todos os dias. As mesmas coisas, quase repetidas,
poucas variáveis no cotidiano. Decidiu pensar ao invés de ter pensamentos, como
sempre fazia. Sentia que o próximo dia seria tão igual quanto todos os dias. E
teve então uma veloz conclusão: era essa a razão de sua agonia.
Ao ver um anúncio na televisão que apresentava um novo filme em cartaz e
entender que o roteiro tratava das aventuras de um ciborgue do futuro
(informática e outros lances que ele não entendia bem), o velho homem cansado
concluiu que não havia grande diferença entre o futuro e o passado. Os movimentos
ritmados, a letargia voraz, tudo capaz de fazer a todos o que o filme impunha a
seu protagonista: robôs humanizados, simples figurantes na rotina da vida.
Coluna Sociedade Crônica
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