quarta-feira, 25 de março de 2015

"O Campanário"




O sino que toca
evoca esperanças.
Boa gente que caminha
em passos de domingo,
ao encontro da fé
que a todos move.
No campanário, suavemente,
Deus está chamando sem gritar... 




In: "Manual Da Poesia Fajuta" (Wattpad, 2015)

"O Aniversário Do Judeu"



Cintilantes luzes
refletem os olhos
das crianças no Natal.
Cada passo segue o compasso
dos pisca-piscas nas vitrines.
Advento fraterno na cidade,
comodidades de uma festa sem convite.

Há quem evite o bom encontro
e os que ninguém quer esperar -
os solitários, os esquecidos,
os afortunados desvalidos:
a festa é de todos, mas não para todos.

A tradição de seus presentes
nos remete a um passado
que tanto nos desabona
mas que, assim mesmo,
desejamos celebrar.




In: "Manual Da Poesia Fajuta" (Wattpad, 2015)

"O Baile Dos Espíritos"



Figuras fantasmagóricas
transitam pelo salão:
pessoas mortas que dançam,
celebrando uma existência
que não têm.

Almas desgarradas
apenadas e sem sorte,
condenaram-se à sentença
de dançar até a morte...




In: "Manual Da Poesia Fajuta" (Wattpad, 2015)

"O Alvorecer Dos Santos"



Daqui e dali, me faço orvalho
que se despeja entre bugalhos
e se desperta entre miragens.
Por entre odores da manhã
e com as cores de Iansã,
cortejo as flores do Alentejo
sem perceber sua paisagem.

Daqui e dali me faço orgulho
de boa água em que mergulho
e onde procuro Iemanjá.
E quando a encontro na floresta,
tão só me resta ouvir seu canto
que me enfeitiça, assaz me espanto:
Oxossi vem me resgatar.

Daqui e dali, só faço andar,
distância infinda que me veste
de uma poeira concretada.
Entre as montanhas de Ogum
e sol nascente de Xangô,
encontro encantos na viagem
sem perceber a paisagem. 




In: "Manual Da Poesia Fajuta" (Wattpad, 2015)

"Soneto Para Moçambique"



Não faço menção de vosso nome,
Silêncio agridoce em minha boca,
Lembrança sutil que se consome,
Fartura que enfarta a coisa pouca.

Qual espectro à espreita que não some,
Viestes com fúria insana e louca.
Provastes, amiúde, a minha fome
Tornando-me fera triste e à solta.

Agora sou livre e não me calo,
Carrego comigo o trigo e o talo
De boa colheita e plantação.

Relego ao passado o solo ralo
De um fruto infértil em despetalo
Que não mais amarga o coração. 



In: "Manual Da Poesia Fajuta" (Wattpad, 2015)

"Zinabre"



E se consomem, vorazes,
as amizades que desfiz
entre os amigos que não tive.

Tão só pessoas, talvez,
além do alcance das mãos
pregadas em falsidades.

Desabraçadas verdades
que se desmancham a contento,
carcaças de um desprazer.

Feito zinabre, se comem
e, aos poucos, somem com o tempo
até, por fim, fenecer...



In: "Manual Da Poesia Fajuta" (Wattpad, 2015)

"Boatarias"



...por isso, não darei ouvidos a boatos,
nem tão pouco ofertarei bom crédito
à pessoas de leva e traz.
Tanto faz se são más línguas
quando há boa fé no ensejo
de saber que estás feliz.

Aprendiz de coisas boas
por um triz nesta existência,
me tornei lembrança tua
que carregas em teus dias
sem a pretensão do encontro,
pra manter memórias vagas.

...por isso, não assunto a quase nada
das más línguas que te ferem
à espreita, em leva e traz.
Dou silêncio a tais sussurros,
vou de murro às maledicências:
boa forra é falar bem de más lembranças.  



In: "Manual Da Poesia Fajuta" (Wattpad, 2015)

"Rejunte"



Cola-me a ti, indefinidamente,
tão eterno de repente ao lado teu.
Faça-me imutável amante,
quão mais próximo e, adiante,
bem mais servo que senhor.

Lance mão de rejunte firme e forte
que, com sorte, far-nos-á um só piso,
ornados sobre vidro liso
formando arcos de amor.



In: "Manual Da Poesia Fajuta" (Wattpad, 2015)